domingo, 1 de janeiro de 2017

VESTIDO CARMIM

Ele...

trazia no rosto um resto de alma,
um gosto da carne entregue a fome do chão

trazia o odor do rosário, a dor do epitáfio, a imagem sépia da desencarnação...

carregava o fardo das incertezas da existência, do desconhecimento do porvir

cumpria seu calvário por caminhos que flutuam sobre mar

(acariciava-lhe a  face maquiada de pranto, o vento)

... não havia tempo.

...

trabalhadores, transeuntes, vagabundos, vidas  errantes teciam narrativas ao redor de seu ser em transe

de pálpebras abertas e olhos rubros, acalentava seus fantasmas, ninava o invisível presente

(a imagem do defunto edificara labirintos de Dédalos em sua mente)

perguntou-se: anjos nadam?

...

despertou.

compreendeu as sutilezas da beleza da finitude.

aquela criatura imaculada, a bailar nas águas, era o portal entre a vida e a morte
era a prova de que a vida nem sempre se submete às opressões e injustiças do mundo

bailava.

...

Ela...
despiu-se de seu veste líquido e revelou sua "antinudez" ingênua: um vestido de brim carmim

riu... ,
rompeu o cordão umbilical do rio que a pariu
pegou sua existência e seu fardo imposto: uma caixa de bombons...

saiu.

seguiu, sorridente, trapiche acima, imersa em seu vestido molhado de liberdade e de infância... era imune aos infortúnios que lhe impingiram.

e, apesar de tudo, brincava de existir.

chg

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