Bom Apetite!
Ele pediu
para que eu contasse como havia acontecido. Eu já havia contado... Mas Ele
queria que eu repetisse. Eu estava irritado. Ele, sempre que podia me
provocava. Ele não ligava para o que eu sentia... Sempre foi assim. Ficou assim
desde que meus pais morreram. O que
aconteceu comigo, ontem, marcou minha vida... Foi traumático... E ele se
divertia... É sádico. Ele me
ameaçou. Ele disse que, seu eu não contasse, ele iria contar para todo mundo.
Ele adora me envergonhar.
- Conte novamente!
Antes mesmo que eu começasse a
contar, abriu aquele sorriso largo... malicioso, com seus dentes
tingidos pelo fumo a mostra... Meu ódio queimava por dentro.
Era como um ácido comendo minhas carnes.
- Não quero mais falar sobre
esse assunto.
Ele, como de hábito, não deu a
menor atenção e continuou me provocando.
- Mais essa vez... Não peço mais, prometo.
Eu tentei convencê-lo de que
aquilo causava-me sofrimento.
- Não gosto desse tipo de
brincadeira. Não vou repetir.
Ele, em tom ameaçador,
insistiu.
- Tudo bem. Então eu conto...
Conto para todo mundo.
Eu, se pudesse, correria,
fugiria e nunca mais retornaria a aquela maldita casa. Mas eu não tenho para
onde ir. Eu sou órfão. Eu não tenho saída. Eu sou obrigado a suportar terríveis
humilhações. Eu fico calado. Eu não posso reagir. Eu sou dependente de todos.
Mas Eu não sou burro. Todos pensam que me enganam. Eu sou paciente. Eu creio
nas voltas que o mundo dá. Eu acredito que um dia minha hora vai chegar... Eu
pensei em contar rapidamente, mas isso o iria o irritar. Ele faria eu repetir
quantas vezes fossem necessárias para satisfazer seus desejos obscenos... Depois que a mulher dele faleceu, sua maior diversão
era me humilhar... O acontecido lhe deu munição para continuar suas torturas...
Pior seria ter meu maior segredo revelado por uma pessoa insana. Ele colocaria
coisas. Ele a tornaria mais dramática do que já era... Era melhor fazer o que
pedia.
- Não, por favor. Não conte
nada a ninguém. Prometa... Está bem, eu conto para você. Só mais essa vez.
Ele riu... Eu nunca consegui
interpretar o seu riso. Seus olhos fechavam-se. Tinham uma escuridão
enigmática. Eram sem brilho. Quando ria, sua boca enchia de saliva... Ele
movimentava a cabeça feito um pêndulo. Era como se fosse um animal preste a
devorar sua presa.
- Você não vai contar a
ninguém, promete?
Eu já havia contado para ele
havia duas horas. Eu ficava bastante constrangido... Ele continuava com aquele
riso sádico. Suas pernas mexiam. Aquilo o fazia transpirar. Ele exalava um odor
azedo... Ele, talvez, desejasse ter vivido aquela situação. Não até o final.
Mas os momentos bons. Que, confesso, me deram prazer... Ele fez um sinal com a
cabeça para que eu iniciasse.
- Quero desde o início.
Eu obedeci e comecei a contar.
- Eu a vi nascer. Desde
criança, eu brincava com Ela... Ela veio morar em casa quando ainda era pequena...
Adorávamos brincar. Corríamos juntos pela casa. As vezes, tomávamos banho
juntos. Não havia mal nisso. Estávamos nos descobrindo. Eu bem maior que ela. O
que não impedia que tivéssemos bons momentos. Tudo muito ingênuo... Éramos tão
unidos que passamos a dormir na mesma cama. Dormíamos juntos. A mulher dele não
gostava. Achava aquilo errado. Dizia que cada qual deveria dormir no seu lugar...
Eu comecei, nesse momento, a
lembrar da falecida. Minha boca ficou pesada e a língua estática... Eu perdi a
fala... Eu fiquei calado. Era como se eu tivesse saído daquele ambiente e
tivesse me perdido num tempo passado... Eu só cai na real quando o vi
balançando a cabeça e abrindo os braços, como quem pergunta: por que parou?
- Não consigo mais contar.
- Tudo bem, não vou forçar.
Sou generoso. Mas lembre-se que não consigo manter minha boca fechada. Se você
não pode contar, eu posso. E vou fazer isso. Contar essa história para todo
mundo.
Eu continuava inerte. Era como
se uma força contrária ao meu peso percorresse meu corpo e me paralisasse...
Meus olhos encheram de lágrimas... Eu quis gritar, mas não conseguia. As
lágrimas escorriam. Ele não se comovia. Pelo contrário, aquilo o satisfazia.
- Tudo bem, eu me encarrego de
contar sua história. Não se preocupe, filho.
Eu despertei, assustado, e
tudo destravou. O medo é capaz de injetar nas nossas veias substâncias que nos
fazem praticar coisas inacreditáveis. O Susto foi revigorante. Com um
sentimento que não sei descrever - acho que sou movido pelo ódio - passei a contar
como ele queria, com detalhes.
- Nos estávamos dormindo
juntos. Eu sentia seu hálito quente. Seus olhos negros brilhavam na escuridão
do quarto. O som da sua respiração ofegante rompia o silêncio da noite. Meu
coração batia forte. Ela não se mexia. Pensei: “será que está dormindo?”. Coloquei
meu membro para fora. Comecei a forçar no meio das pernas dela. Sua respiração
ficou acelerada. Senti quando começou a entrar. Um calor tomou conta de mim.
Ela era quente e estreita. Ela se mexeu e eu parei. Fiquei quieto. Pensei em
parar. Mas minha tara era maior que minha razão. O tempo passava. Sua
respiração ficou mais moderada. Comecei, então, a forçar a entrada novamente.
Ela se mexeu. Fiquei quieto. Sem conseguir me conter, empurrei com força.
- Para que tanta violência?
Ele falou sarcasticamente. Ele
olhava para mim. Aquilo me incomodava muito... Ele tinha uma aparência séria,
mas havia uma curva no canto da boca. Um sorriso disfarçado.
- Foi sem querer... Ela saiu
da cama e não voltou. Fiquei com medo. Angustiado. Pensei em ir atrás dela. Mas
meu corpo estava congelado. Não conseguia me mover. Eu estava muito confuso.
Não me lembro o exato momento que adormeci... Pela manhã, percebi que ela não
estava em casa. “Droga. Estraguei tudo. Ela não vai mais me querer!”, pensei.
- Ela já estava apaixonada por
você.
Mais uma vez, ele me
interrompeu com sua ironia. Desta vez, riu mostrando sua língua esbranquiçada.
Sua voz era irritante. Eu estava no meu limite... Eu passei então a não
encará-lo. Assim não perderia a concentração e terminaria logo meu martírio.
- Foi então que vi algumas
gotas de sangue no lençol. Levantei-me, tirei o lençol da cama e fui até o
banheiro para retirar a mancha. “Será que eu a machuquei?”, questionei-me.
- Garoto mau... Tirou sangue dela.
Sem me dar conta, fiquei
imaginando os momentos bons que vivemos juntos. Se eu não tivesse forçado,
aquela seria uma linda noite de amor... Meus pensamentos foram quebrados pela
voz rouca dele me indagando.
- Vai continuar a história ou
não? Assim você acaba com o clima.
Ele me olhava direto nos olhos. Parecia que queria entrar em mim. Saber tudo
o que eu tinha na mente. Conhecer a minha vida e a minha história
detalhadamente.
Aquilo me amedrontava, ao
mesmo tempo, que me tornava submisso... Eu não tinha saída. Só me restava
continuar... Ele tirou um cigarro da
carteira e acendeu. Ele não tirava os olhos de mim. Com um gesto da cabeça,
pediu para que eu prosseguisse. Ele fumava e jogava fumaça para cima de mim.
Ele fazia tudo para me provocar. Mas Eu sou forte. Continuei.
- No quarto dia, ela voltou a
dormir na minha cama. Tive um susto, pois já estava quase dormindo, quando
senti Ela deitar ao meu lado. Eu fiquei quieto. Fingi que dormia. Mas não
conseguia conter minha respiração. Ela se aconchegou em meu corpo. Acho que sentiu
meu calor. Tentei conter minha respiração. Mas era impossível – insuportável.
Meu corpo queimava feito brasa. Abri, suavemente, meus olhos e pude perceber
que seus olhos estavam abertos também. Não me contive e meu pênis, duro,
começou a pulsar. Ajeitei com cuidado. E entrei em sua flor.
Ele, de repente, deu uma
gargalhada. O som era enlouquecedor. Ria tanto que perdia o fôlego. Era uma mistura
de risos e tossidas. Babava. Era nojento. Meu ódio mesclou-se com uma náusea.
Perdi a paciência e falei com raiva.
- Quer que eu continue ou não?
Um silêncio tomou conta da
cozinha. Ele se calou. Ficou surpreso com minha reação. Percebi que, pela
primeira vez, Ele sentiu medo de mim. Aquilo me fez bem. Eu percebi que ele não
era tão forte quanto demonstrava. Aquele velho idiota era um covarde.
Continuei.
- Fui colocando lentamente. Ela ficou calada.
Quieta. Nos amamos a noite inteira... Quando acordei, Ela já havia saído. Vi
que, na cama, desta vez, não havia manchas... Senti o cheiro do seu sexo no
lençol.
- E depois?
- Repetimos por dias
nossas noites de amor. Eram relações tão intensas que meu desejo aumentava a
cada dia e nascia uma paixão louca, animal. Eu queria sempre mais... Tudo ia
bem, até a noite de ontem.
- Agora vai ficar bom.
- Ontem, eu quis fazer
diferente. A desejei por trás. Sempre fui muito carinhoso. Mas, algo estranho,
bestial, estava acontecendo. Eu estava muito ansioso, excitado e inquieto...
Empurrei com força em sua traseira e ela gemeu alto, caiu da cama e saiu do quarto... Fui atrás dela. Chamava por Ela. Eu estava nervoso.
Ela esfregava-se na parede e gemia. Gemia alto... Acho que doeu... Que doeu
muito... Por sorte, estávamos sozinhos
em casa. Fui até o banheiro e joguei água sobre o corpo dela. A água aliviou
sua dor. Ela me olhava desconfiada. Senti pena dela. Eu ainda estava nu, quando
ela, de repente pôs a boca no meu pau, lambeu meu pênis... “Danadinha!”,
pensei. Meu membro foi crescendo e ela lambia mas rápido.
- Interessante... Essa é a
parte que mais gosto.
- Foi então que senti uma dor
terrível. A desgraçada havia mordido meu pau. Ela apertava forte. Eu não podia
gritar. Iria chamar a atenção dos vizinhos.
Num gesto impensado, eu apertei com força seu pescoço e torci. Ela latiu
e deu um uivo alto. Depois, largou meu
pênis e se contorceu no chão... Sua respiração foi ficando lenta, lenta, lenta,
até parar... Ainda vi suas pernas esticarem por duas vezes consecutivas. Após,
ficaram inertes... Estava morta. Eu a
havia matado... Chorei compulsivamente... Limpei meu membro e o corpo dela.
Depois, enrolei ela em uma toalha. Meu pênis ardia. Tinha sangue. Muito sangue.
Eu precisava dar um fim ao cadáver dela... Resolvi enterrar no Jardim.
- Você a enterrou no jardim ou
no quintal?
- No quintal... Fiquei com medo que você brigasse comigo.
- Brigar com você? A cadela
era sua e não minha... Eu a dei para você... E depois?
- Depois de enterrá-la, fui
ao posto e fiz curativo... Lá, todos riam de mim... Disse que havia cortado com
o barbeador. Não acreditaram... Fiquei
com raiva... Riam disfarçadamente. Riam covardemente. Riam criminosamente. Riam
de mim... Eu queria matá-los.
- Calma, não precisa ficar
nervoso. Acabou. Prometo não tocar mais nesse assunto.
Ele continuava olhando para
mim. Ele sempre me tratou como um cachorro. A única coisa que me deu de bom foi
a cadelinha. E eu a havia matado. Eu tremia de ódio, mas me controlava. Sabia
que minha vitória estava próxima.
- Acho melhor você almoçar.
O almoço estava pronto. Passei
a manhã inteira cozinhando. Até que ele veio até a cozinha para me perturbar.
Eu já havia contado, cedo, a mesma história. O cheiro da vingança me acalmou...
Eu preparei um prato e coloquei na mesa. Ele veio, lentamente, com sua cadeira
de rodas. Posicionou-se na mesa. Observou o prato com a comida e, como de
costume, cheirou.
- Que carne é esta?
- Não sei. Você é quem deveria
saber. Foi você quem comprou. Eu apenas tirei da geladeira e preparei.
Ele pegou o garfo e a faca.
Cortou, cuidadosamente, a carne em pedaços miúdos. Misturou bem o feijão ao
arroz e a farinha... Encheu a colher, levou a boca e começou a mastigar...
Comia como um porco. Seus dentes rangiam e faziam um barulho inquietante ao
triturar a comida... Um fio de baba, vez ou outra, ligava seus lábios. Aquela
cena era nojenta. Mas eu me deliciava com ela... Um riso vitorioso brincava em
meus lábios.
- Gostou? Fiz, especialmente,
para você.
- Muito bom. Deliciosa. Carne
macia.
O barulho da sua boca
estrondava em meus ouvidos. Seus dentes despedaçando a carne, o arroz e o feijão
era a visão do inferno. Mas Ele não me incomodava mais... Sua boca cheia e
aquele alimento preenchendo seu bucho eram meu maior trunfo... Afastei-me... Da
janela, acompanhei ele comendo toda a comida... Ele lambia os lábios... Quem
diria! Justamente ele que se divertiu tanto ao saber que eu havia comido uma
cadela, agora, se deliciava comendo da mesma carne que comi. De
forma, diferente... Literalmente... Vingança é um prato que se come
frio.
- Bom apetite, velho imundo!
chg