terça-feira, 19 de janeiro de 2016



NÁUFRAGO  


sangrei por não saber singrar 
             afundei nas linhas de uma página vil

             fui marinheiro de primeira linguagem,

e naufraguei nos temporais de indiferenças e   r e t i cê n  cias

sobrevivência
sobrevivi à derradeira tempestade... com seus trovões, travessões e   um mar de            infinidades

marejado, agora, flutuo agarrado em três paus de versos sem rimas

do calor de temperados climas


... calmarias

 bebo a última gota de palavra que me restou na língua

 
é meu porto afinal, é meu ponto final.


(- poema a vista!) 


tardou.



chg


segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Para quem tiver paciência de ler, um conto...


BOM APETITE!

Ele pediu para que eu contasse como havia acontecido. Eu já havia contado... Mas Ele queria que Eu repetisse. Eu estava irritado. Ele, sempre que podia, me provocava. Ele não ligava para o que Eu sentia... Sempre foi assim. E ficou pior depois que meus pais morreram.
O que aconteceu comigo, ontem, marcou minha vida... Foi traumático... E ele se divertia... É sádico.
Ele me ameaçou. Ele disse que, seu eu não contasse, iria, contar para todo mundo. Ele adora me envergonhar.

- Conte novamente!

Antes mesmo que eu começasse a contar, abriu um sorriso largo, sádico e carregado de malícia, deixando à mostra seus dentes, fetidamente, tingidos pelo fumo.
O ódio me queimava por dentro. Era um ácido corroendo minhas carnes.

- Não quero mais falar sobre esse assunto.

Ele, como de hábito, não deu a menor atenção e continuou a me provocar.

-  Só mais essa vez... Não peço mais, prometo.

Eu tentei convencê-lo de que aquilo causava-me sofrimento.

- Não gosto desse tipo de brincadeira. Não vou repetir.

Ele, em tom ameaçador, insistiu.

- Tudo bem... Então eu conto... Conto para todo mundo.

Deu uma gargalhada espalhafatosa.

Eu, se pudesse, correria, fugiria e nunca mais retornaria àquela maldita casa. Mas eu não tenho para onde ir. Eu sou órfão. Eu não tenho saída. Eu sou obrigado a suportar terríveis humilhações... Eu fico calado. Eu não posso reagir. Eu sou dependente de todos... Mas Eu não sou burro. Todos pensam que me enganam... Eu sou paciente. Eu creio nas voltas que o mundo dá. Eu acredito que um dia minha hora vai chegar... Eu pensei em contar rapidamente, mas desisti... Iria irritá-lo. Ele faria Eu repetir quantas vezes fossem necessárias para satisfazer seus desejos obscenos.

Depois que a mulher dele faleceu, sua maior diversão era me humilhar... O acontecido lhe deu munição para continuar me torturando... Mas, pensando bem, pior punição seria ter meu maior segredo revelado... E revelado por uma pessoa insana e inescrupulosa. Ele aumentaria tudo, distorceria os fatos... Mentiria. Tornaria meu drama em uma tragédia shakespeareana... Era melhor fazer o que me pedia.

- Não, por favor. Não conte nada a ninguém... Promete? Está bem, eu conto para você. Só mais essa vez... Eu conto.

Ele riu. Eu nunca consegui interpretar o seu riso... Seus olhos fechavam-se. Tinham uma escuridão enigmática. Eram sem brilho... Quando ria, sua boca enchia de saliva... Ele movimentava a cabeça feito um pêndulo. Era como se fosse um animal preste a devorar sua presa.

- Você não vai contar para ninguém, promete?

Eu já havia contado para ele havia duas horas... Eu ficava bastante constrangido... Ele continuava com aquele riso sádico. Suas pernas mexiam. Aquilo o fazia transpirar. Ele exalava um odor azedo... Ele, talvez, desejasse ter vivido aquela situação... acho que é isso... Não até o final. Mas os momentos bons. Que me deram prazer... Foi bom... Ele fez um sinal com a cabeça para que eu iniciasse.

- Quero desde o início!

Eu obedeci e comecei a contar.

- Eu a vi nascer... Desde criança, Eu brincava com Ela... Ela veio morar em casa quando ainda bem pequena... Adorávamos brincar. Corríamos juntos pela casa... As vezes, tomávamos banho juntos. Não havia mal nisso. Estávamos nos descobrindo. Eu bem maior que ela. O que não impedia que tivéssemos bons momentos. Tudo muito ingênuo... Éramos tão unidos que passamos a dormir na mesma cama. Dormíamos juntos... A mulher dele não gostava. Achava aquilo errado. Dizia que cada qual deveria dormir no seu lugar...

Eu comecei, nesse momento, a lembrar da falecida. Minha boca ficou pesada e a língua estática... Eu perdi a fala... Eu fiquei calado... Era como se Eu tivesse saído daquele ambiente e tivesse me perdido num tempo passado... Eu só cai na real quando o vi balançando a cabeça e abrindo os braços, como quem pergunta: por que parou?

- Não consigo mais contar...

- Tudo bem, não vou forçar. Sou generoso. Mas lembre-se que não consigo manter minha boca fechada. Se você não pode contar, eu posso. E vou fazer isso. Contar essa história para todo mundo.

Eu continuava inerte. Era como se uma força contrária ao meu peso percorresse meu corpo e me paralisasse... Meus olhos encheram de lágrimas... Eu quis gritar, mas não conseguia. As lágrimas escorriam. Ele não se comovia. Pelo contrário, aquilo o satisfazia.

- Tudo bem, eu me encarrego de contar sua linda história de amor... Não se preocupe, filho.

Eu despertei, assustado, e tudo destravou. O medo é capaz de injetar nas nossas veias substâncias que nos fazem praticar coisas inacreditáveis. O Susto foi revigorante... Com um sentimento que não sei descrever - acho que sou movido pelo ódio - passei a contar com detalhes.

- Nos estávamos dormindo juntos. Eu sentia seu hálito quente. Seus olhos negros brilhavam na escuridão do quarto. O som da sua respiração ofegante rompia o silêncio da noite. Meu coração batia forte. Ela não se mexia. Pensei: “será que está dormindo?”. Coloquei meu membro para fora. Comecei a forçar no meio das pernas dela. Sua respiração ficou acelerada. Senti quando começou a entrar. Um calor tomou conta de mim. Ela era quente e estreita. Ela se mexeu e Eu parei... Fiquei quieto. Pensei em parar. Mas minha tara era maior que minha razão. O tempo passava. Sua respiração ficou mais moderada. Comecei, então, a forçar a entrada novamente. Ela se mexeu... Fiquei quieto. Sem conseguir me conter, empurrei com força.

- Para que tanta violência?

Ele falou sarcasticamente. Ele olhava para mim. Aquilo me incomodava muito... Ele tinha uma aparência séria, mas havia uma curva no canto da boca. Um sorriso disfarçado.

- Foi sem querer... Ela saiu da cama e não voltou... Fiquei com medo. Angustiado... Pensei em ir atrás dela. Mas meu corpo estava congelado. Não conseguia me mover. Eu estava muito confuso... Não me lembro o exato momento que adormeci... Pela manhã, percebi que ela não estava em casa. “Droga. Estraguei tudo. Ela não vai mais me querer!”, pensei.

- Ela já estava apaixonada por você, meu rapaz.

Sarcasticamente, riu.

Mais uma vez, ele me interrompeu com sua ironia. Desta vez, riu mostrando sua língua esbranquiçada. Sua voz era irritante... Eu estava no meu limite... Eu passei então a não encará-lo. Assim não perderia a concentração e terminaria logo meu calvário... Continuei.

- Foi então que vi algumas gotas de sangue no lençol. Levantei-me, tirei o lençol da cama e fui até o banheiro para retirar a mancha. “Será que Eu a machuquei?”, questionei-me.

-  Garoto mau... tirou sangue da pequena.

Sem me dar conta, fiquei imaginando os momentos bons que vivemos juntos. Se eu não tivesse forçado, aquela seria uma linda noite de amor... Meus pensamentos foram quebrados pela voz rouca dele me indagando.

- Vai continuar a história ou não? Assim você acaba com o clima.

Ele me olhava direto nos olhos.  Parecia que queria entrar em mim. Saber tudo o que eu tinha na mente. Conhecer a minha vida e a minha história detalhadamente.
Aquilo me amedrontava, ao mesmo tempo, que me tornava submisso... Eu não tinha saída... Ele tirou um cigarro da carteira e acendeu... Ele não tirava os olhos de mim. Com um gesto da cabeça, pediu para que eu prosseguisse. Ele fumava e jogava fumaça para cima de mim. Ele fazia tudo para me provocar. Mas Eu sou forte... Continuei.

- No quarto dia, ela voltou a dormir na minha cama. Tive um susto. Eu já estava quase dormindo quando senti Ela deitar ao meu lado... Eu fiquei quieto. Fingi que dormia. Mas não conseguia conter minha respiração... Ela se aconchegou em meu corpo. Acho que sentiu meu calor... Tentei conter minha respiração. Mas era impossível – insuportável - . Meu corpo queimava feito brasa... Abri, suavemente, meus olhos e pude perceber que seus olhos estavam abertos também. Não me contive e meu pênis, duro, começou a pulsar... Ajeitei-o com cuidado... E entrei em sua flor.
Ele, de repente, deu uma gargalhada. O som era enlouquecedor. Ria tanto que perdia o fôlego. Era uma mistura de risos e tossidas... Babava. Era nojento... Meu ódio mesclou-se com uma náusea. Perdi a paciência e falei alto e com raiva.

- Quer que eu conte ou não?

Um silêncio tomou conta da cozinha... Ele se calou. Ficou surpreso com minha reação... Percebi que, pela primeira vez, Ele sentiu medo de mim. Aquilo me fez bem. Eu percebi que ele não era tão forte quanto demonstrava. Aquele velho idiota era um covarde... Continuei.

 - Fui colocando lentamente. Ela ficou calada. Quieta... Nos amamos a noite inteira... Quando acordei, Ela já havia saído. Vi que, na cama, desta vez, não havia manchas... Senti o cheiro do seu sexo no lençol.

E depois?

Falou com a mão no bolso de suas calças esgarçadas... Fazia movimentos circulares com a mão. Senti nojo... Continuei.

- Repetimos por vários dias nossas noites de amor. Eram relações tão intensas que meu desejo aumentava a cada dia e nascia uma paixão louca... Um sentimento animal... O problema é que Eu queria sempre mais... Tudo ia bem, até a noite de ontem.

- Agora vai ficar bom.

Riu... Movimentava a mão com mais força dentro do bolso da calça.

- Ontem, Eu quis fazer diferente: a desejei por trás... Sempre fui muito carinhoso. Mas, algo estranho - bestial – tinha me tomado por completo... Eu estava muito ansioso, excitado e inquieto... Empurrei com força meu pau em seu traseiro e ela liberou um som alto, pulou da cama e fugiu do quarto... Fui atrás dela. Chamava por Ela... Eu estava nervoso... Ela estava sentada no chão frio do banheiro e gemia muito. Gemia alto... Deve ter doído. Doído muito...  Por sorte, estávamos sozinhos em casa... Fui até o banheiro e tentei molhá-la... A água a deixou mais tranquila... Ela me olhava desconfiada... Estava ressentida... Lamentei aquele desfecho... Eu ainda estava nu, e ela, repentinamente, pôs a boca no meu pau... - Hum, lambia-me! - ... “- Danadinha!”, pensei... Meu membro foi crescendo e ela fazia mais rápido.

- Interessante... Essa é a parte que mais gosto.

Com os olhos vidrados em mim, o velho salivava... Ofegante, continuei.

- Foi então que senti uma dor terrível... A desgraçada mordeu meu pau... Era vingança... O amor virou ódio... Ela apertava forte... Eu não conseguia e nem podia gritar. Iria chamar a atenção dos vizinhos...  Num gesto insano, Eu apertei com força seu pescoço e torci. Ela latiu, deu um uivo alto... Suas perninhas tremiam, até se esticarem... Seus olhinhos ficaram sem brilho... Ela largou meu pênis e caiu - agonizante - no chão... Sua respiração foi ficando lenta, lenta, lenta, e parou... Estava morta. Eu a havia matado... Havia matado o meu amor, a minha mulher, a milha puta, a minha cadela...

Calei e Ele excitado, implorou:

- Não pare, não pare, não pare, por favor...

Continuei.

Limpei meu membro e o corpo dela... Após, enrolei Ela em uma toalha... Meu pênis ardia. Tinha sangue. Muito sangue... Eu precisava dar um fim ao cadáver dela... Resolvi enterrar no Jardim.

Por dois minutos, instalou-se um  silêncio sepucral na cozinha... Eu ouvia a respiração ofegante Dele... Uma mancha surgiu em sua calça... Pegou um cigarro, acendeu e começou a fumar, dessa vez, sem jogar fumaça para cima de mim.

- Você a enterrou no jardim ou no quintal?

- No quintal...  Fiquei com medo que você brigasse comigo.

- Brigar com você? A cadela era sua amante e não minha...

Deu uma gargalhada estrondosa... Continuou.

- E depois?

- Depois de enterrá-la, fiz curativo...

- Onde fez curativo?

- No Pênis.

- Idiota... Perguntei em que lugar fizeram curativo em você.

- Na farmácia... Eles riram de mim... Eu disse que havia me cortado com o barbeador.  Não acreditaram... Eu fiquei com raiva... Riam disfarçadamente. Riam covardemente. Riam criminosamente. Riam de mim... Assassinos.


- Calma, não precisa ficar nervoso... Acabou. Prometo não tocar mais nesse assunto.

Ele continuava olhando para mim... Ele sempre me tratou como um cachorro... A única coisa que me deu de bom foi a cadelinha. E Eu a havia matado... Eu tremia de ódio, mas Eu me controlava. Eu sabia que minha vitória estava próxima...

- Não queres almoçar? – Eu perguntei.

O almoço estava pronto. Eu passei a manhã inteira cozinhando. Até que Ele veio até a cozinha para me perturbar. Eu já havia contado, cedo, a mesma história. O cheiro da vingança me acalmou... Eu preparei um prato e Eu coloquei na mesa... Ele veio, lentamente, com sua cadeira de rodas... Posicionou-se na mesa... Observou o prato com a comida e, como sempre fazia, cheirou antes de começar a comer.

- Que carne é esta?

- Não sei. Você é quem deveria saber. Foi você quem comprou. Eu apenas tirei da geladeira e preparei.

Ele pegou o garfo. Depois a faca e cortou, cuidadosamente, a carne em pedaços miúdos. Misturou bem o feijão ao arroz e a farinha... Encheu a colher, levou a boca e começou a mastigar... Comia como um porco... Seus dentes rangiam e faziam um barulho inquietante ao triturar a comida... Um fio de baba, vez ou outra, ligava seus lábios. Aquela cena era nojenta. Porém, Eu me deliciava com ela... Um riso vitorioso brincava em meus lábios... Gentil - na verdade, cínico -, perguntei:

- Gostou? Eu fiz, especialmente, para você.

- Muito bom... Deliciosa... Carne macia, suculenta...

O barulho da sua boca agrediam meus ouvidos... Seus dentes despedaçando a carne, o arroz e o feijão eram a melodia do diabo... Mas Ele não me incomodava mais... Sua boca cheia e aquele alimento preenchendo seu bucho eram meu maior trunfo... Afastei-me... Debruçado sobre a janela, acompanhei Ele comendo toda a comida... Ele lambia os lábios... (- Quem diria!). Justamente ele que se divertiu tanto ao saber que eu havia “comido” uma cadela, agora, feliz da vida, se deliciava comendo da mesma carne que eu comi. De forma, diferente, é óbvio...  Diz o dito popular: “vingança é um prato que se come frio”.

- Bom apetite, velho imundo!


Alírio dos Campos