segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A MORTE DE UM TEATRO

O Arauto expeli sua derradeira fala...
Há um silêncio infinito, inquietante;
instigante instante...

Paira no ar o eterno,
porém mórbido adeus...

Solitária, a lágrima desce da face pálida do artista
e inunda o frio chão da arte agonizante;
solo estéreo...
[lápide onde não mais ecoarão aplausos]

Cortinas, feito pálpebras, fecham-se:
borboletas errantes...
[criaturas aprisionadas por deuses sagrados]

Calaram-se as palmas;
adormeceram os bravos...

Naquela noite,
o teatro estava mudo,
o mundo surdo, e
o Deus cego.

C.H.Gonçalves

domingo, 20 de fevereiro de 2011

ESPELHO DA LUA

De tanta água que do céu caiu
a lua, de ressaca, no espelho do rio,
apareceu de face inchada,
encharcada de chuva,
perfumada de vulva...

C.H.Gonçalves




domingo, 13 de fevereiro de 2011

ARTERIAL


Tenho medo d’esse músculo,
infame senhor de mim.

ele que me faz amar
ele que me faz matar
ele que me faz morrer...

sem me avisar, pára... e fim.

Minhas perguntas não têm respostas
É inútil procurar o diálogo
intolerante bolsa de sangue.

Rezo que batas, mesmo sem ritmo...

taquicárdico
Arritímico
... jamais paralítico.

Com tudo isso,
- Bata!
De sua vaidade depende minha vida.

- Arrogante coração, bata:
tanto, tonto, tan-to, ton-to, tan -to, ton -to...

C.H.Gonçalves


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

QUANDO CHORAM AS NUVENS

Quando despencou da cama, de branco lençol, não imaginava a exuberante viagem que faria. O que parecia pesadelo, fez-se, num instante, um belo sonho. Viu-se bailando no ar, a brisa inconstante e fria moldando seus cabelos, acariciando seu corpo... Esbarrou, sem perceber, estando encantada pela música do vento tocando as folhagens, em um imenso tapete vermelho. Pediu licença. Livre, deslizou veloz até se projetar, num salto, e cair, suave, sobre os pés do frio chão, que não reclamou, pelo contrário, sorriu. Ele acabara de lavar a alma, antes castigada pelo sol da tarde. Ainda assim, desculpou-se e, logo, precipitou seus pequenos pés no rio que passava ao lado. Foi tragada, conduzida, sem que pedisse, para rios nunca antes navegados. Pensou “terei morrido, e eis o paraíso?”. Não. Era real. Era a fantástica aventura cíclica da vida... Repentinamente, com violência, foi lançada no vazio. Desceu por uma furiosa cachoeira. Cortou o espaço e rasgou a garganta do silêncio. Com um brilho no olhar, misto de medo e deslumbramento, seguiu em direção ao mundo subterrâneo, fascinante e desconhecido. Um mundo formado de túneis, labirintos de águas correntes, escuridão e sons difusos... Só então, percebeu que não estava sozinha. Estava, por todos os lados, cercada de seres iguais. Felizes. A luz, a desejada em todo fim de túnel, aproximava-se. Explodia multicores em seu minúsculo corpo e a consumia.   Sua existência ganhava sentido, também volume. Iria ver o mar... A realização de seu maior sonho não tardaria a chegar. Cerrou os olhos, abriu os braços e mergulhou, bem fundo, na sua mais intensa experiência. Sentiu o mar lhe acolher, afagar, envolver, amar... E ao abrir os olhos, onde lágrimas desciam e se fundiam a sua essência, entendeu que, também, era mar. “Existe vida após a tempestade!”, pensou... Feliz, a Gota de Chuva viveu por lá, no mar. E se amaram. Naquele sublime acasalamento, prometeram viver um para o outro até que a evaporação os separasse.

C.H.GONÇALVES


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Viúva Terra

A terra,
abraçada ao operário,
disse: 
- amemo-nos!

Depois...
... descansaram em paz.

Nem a morte os separara.

C.H.Gonçalves






terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

15 Contículos (síntese de contos)

N° 1‎
- porcos não dirigem automóveis meu filho!
- mas, pai, e aqueles que jogam lixo pela janela do carro?
- tens razão... alguns dirigem.
C.H.Gonçalves

N° 2
- papai, estou cansado de ouvir o que você fala. Não entendo nada... Fale, por favor, em criancês.
É uma chatice, o adultês, admito.
C.H.Gonçalves
N° 3
- Estava quente dentro; aqui fora, frio!
- Dentro da loja, filho?
- Não, de mim... Sabe aquela menina que gosto? Ela estava ao meu lado. 
Ele cresceu. 
C.H.Gonçalve
N° 4
- papai, por que quando você joga futebol se bate todo? É por que você é fraquinho? Amanhã, antes do futebol, faço um mingau pra você. 
C.H.Gonçalves
N° 5
Veio pulando como o grilo fugindo gato... 
- papai estou feliz, me leva para passear! 
- O que é felicidade? 
- Meus pulinhos, ora. 
C.H.Gonçalves
N° 6
- Na sala chique, ele deu uma cambalhota... 
- Hen-ri-que! (quando mãe separa o nome em sílabas, é bronca) 
Sentou e fingiu que não era com ele. 
C.H.Gonçalves

N° 7
Atravessei a rua distraído... vavavavava... Voaram os pombos... 
- pai, você acabou com o engarrafamento de pombos. 
C.H.Gonçalves
N° 8
- Te amo, pai!
- o que é amor, filho?
 - uma coceirinha que dá no meu coração. 
Fiquei sem palavras, e com olhos molhados. 
C.H.Gonçalves

N° 9
E Pedro, do banheiro, gritou:
- papai, meu cocozinho está magoado.
É verdade... Chorou tanto que se derreteu em lágrimas.
C.H.Gonçalves

N° 10
Arrotou alto, bem ao meu lado... Dei um olhar de repreensão... 
- viste como bateu alto meu coração, pai? 
Aprendi a rir sem mexer os lábios. 
C.H.Gonçalves
N° 11
- sua mãe e eu precisamos namorar, manter vivo o amor. 
- pai, sem eu e o mano o amor não é completo.
Jantaram juntos no Dia dos Namorados. 
C.H.Gonçalves

N° 12
- amanhã passo na tua casa para comer a galinha da tua mãe!
Até hoje não entendeu por que terminaram a amizade de anos. Adorava a galinha ao molho pardo que a mãe do amigo preparava tão bem.
C.H.Gonçalves

N° 13
Da janela, Gabriel perguntou:
- Que animal tem duas cabeças, pai?
- Não sei.
- Cachorro, ora...
Pouca vergonha o que esses animais fazem na rua.
C.H.Gonçalves



N° 14
- Não, mãe... Não é essa a cueca que eu quero... Eu quero a cueca-box.
- Cueca-box, Pedro?
- Sim, aquela que tem uma parte em cima e outra em baixo, igual a cama-box.
Por que temos tanta dificuldade em mergulhar na imaginação infantil?
C.H.Gonçalves




N° 15
Gabriel, com meu livro "A cor do Invisível", de Mário Quintana, à mão, conversava com seu irmão, Pedrinho. 
- Pedro, veja!... Os poemas do Mário Quintana são parecidos com você: pequenos e bonitinhos.
As poesias de Quintana são almas de criança: simples, puras e, ludicamente, profundas.
C.H.Gonçalves