quinta-feira, 29 de março de 2012

LÁGRIMAS

Não há como ser feliz.

... não há como ser
plenamente feliz
se uma criança
com frio e fome
na noite escura
no imundo mundo
CHORA...

... e são milhares
e suas lágrimas esvaem-se
caem, secam, sepultam-se
incapazes de molhar o chão seco
do egoísmo, da indiferença...

... não há o sonho
... nem justiça
não a dignidade...

Nessa terra (estéril), já não nascem flores.

CHG

SINISTRO

Meu Gabrielzinho guarda um hábito desde bebê: escolhe um de seu brinquedos para dormir.
Há uns dois anos dorme com um sapinho verde e um cachorro xilofone (xilocão). Acho lindo... Acontece que, recentemente, eu resolvi, a pedido dele e do Pedrinho, colecionar uma revista de corpo humano. A cada revista vai se montando o corpo humano, principalmente o esqueleto...
Já estamos na terceira revista e a caveira já tem cabeça e tronco...
... Encurtando a conversa: é sinistro ver meu filho de 6 anos de idade dormindo abraçado com uma caveira.

CHGonçalVES

IRA

boca seca
peito louco

- parece pouco?

: se o ácido queima...
: se o sangue ferve...

- pára, não teima...
seu verme!

... Num enlace
a minha língua
[lâmina afiada]
fatiara tua face...

subirei impune
ao céu da boca
o corpo imune
a sede, louca

: imersão irada...
enquanto agonizas
rio, sou alma alada.

CHGonçalVES

quinta-feira, 15 de março de 2012

O QUE PASSOU, FICOU.

há em mim
um mundo de lembranças
de sonho latente, presente outrora
ainda que jamais seja como um dia fora.

CHGonçalVES
 

?

enquanto tentas
[buscas]
incessantemente
me entender

devo te dizer
insistentemente
não demores
sou ser mutante, inconstante

quando creres
que tens as respostas
estarei de costas
indiferentemente

já não serei o mesmo...
e nem mesmo saberei

: quem é você?
- não sei...
nem sei quem sou...

: anda, por que demoras,
por que não me devoras?

CHGonçalVES
 

NADA A DIZER

enquanto todos celebram
acoado, seco de palavras
cumpro minha pena...

nesse dia de chuva
esquivo-me
do nunca, do jamais
embrulhado à página
pálida, nua, viúva

lamento...

hoje, minha pena?
... nenhum poema.

CHGonçalVES
CONFISSÃO

não sou poeta
nada a comemorar
sou alma aberta
carne a sangrar...

silenciosamente...

[no segredo da língua
na promiscuidade da pena
no frio da página]

não sou poeta
sou vida a suspirar...

sublimemente...

sou ser faminto
preste a matar
ser alado
desejoso de amar...

não sou poeta
sou a sagrada palavra
sepultada, desfeita.

- chega, não sou!

CHG

sábado, 10 de março de 2012

CONFLITO

então, cale

acima
[na cabeça]
imaginação fértil

abaixo
[na cabeça]
músculo flácido

então, nada vale...

CHGonçalVES

SÓ BUCHO

Vi no Globo Repórter: óleo de coco reduz o colesterol e emagrece. 
Olhei para minha pança e pensei "adeus barriguinha, o óleo de coco vem ai". 
No outro dia, fui à farmácia e, timidamente, perguntei se tinha o produto milagroso. O balconista respondeu-me que havia. Sorri, sonhando com uma barriguinha tipo tanquinho. 
- Custa 70 reais! disse-me o infeliz empregado da farmácia.
despenquei do sonho sarado.
- Não vou levar agora não. - respondi-lhe.
Não podendo comprar o produto farmacológico, e desejando muito me livrar do bucho quebrado, pintou uma dúvida cruel: será que se eu tomar, todo dia, religiosamente, uma colher de SóCoco não tenho o mesmo resultado do óleo?

CHGonçalVES

ACASALAMENTO

quando a música se enamora da poesia
a vida engana o tempo
a boca cala
e tudo pára
só sonho move-se
: voa

... uma lágrima corta o vazio e inunda o mundo.

CHGonçalVES

MULHER AMADA

quisera 
neste dia 
te dar flores...

- para que?

sei, és flores
e te tenho fincada
fundo em meu peito
em meu vaso-músculo-rubro...

então
neste dia
dar-te-ei água
a que brota da alma
e vaza dos olhos...

assim, mulher flor
pelo resto de nossos dias
regarei o nosso amor.

CHGonçalVES

quinta-feira, 1 de março de 2012

ALÌVIO

e a dor rasgou-me...

: fez fendas nas entranhas
: fez a frágil alma gemer

... desejei o alívio eterno

: o ópio sagrado
: o beijo da dama

(da que habita as sombras)

: último suspiro do sofrer

... por um insanto instante
senti o ácido hálito do morrer.

CHGonçalVES

ANATÔMICO ANACRÔNICO

estou o leito:

do que riso fora 
agora, sepultura
e a face cavada
cerrada pálpebra
fundura

o ar rarefeito:

do espírito seco
um eco na boca
da língua calada
encravada goela
toca

no peito:
sol desfeito
sangue encruado
encontrado na cova
onde, meu esqueleto, deito.

CHGonçalVES