quarta-feira, 27 de junho de 2012

O SONHO DA LAGARTA

... quando me perguntou
se amores duram um dia...
lacônico, respondi-lhe:

- não.
: só a paixão
... só esta fera dura um dia.

... são perenes os amores
uma vez paridos
eternizam-se
e enquanto a terra nos consome
sem sentir dores

... eles sobem
eles flutuam
eles voam ...

passam a ser vento
poesia concreta
a perfumada brisa
que sutil embala
a valsa da borboleta.

... e perguntou-me:
- então, nunca me amaste?

... respondi:
- se não te amei,
é porque ao casulo estavas atada
- se não te amei,
é por que não foste criatura alada.

CHGonçalVES
C4H10O

há ferrugem em meus sonhos
nem sei se ainda quero tê-los
(os sonhos)

... nessa cabeça urubu, pensamento é carniça ...

há um fedor em meu crânio
e desejo o éter dos pesadelos
(e os sonhos?)

CHGonçalVES

segunda-feira, 25 de junho de 2012

aquieta-te
sufoque esse sofrimento
saiba que não há morte
se aterra que engole
não for esquecimento...

CHG
UM JOVEM NO ESPELHO

o reflexo no espelho
que a tantos seduz
revela que a marca do tempo
a ruga de toda face
onde o belo não reluz
na penumbra, esvaiesse
e compreendo que a velhice
é irmã cumprisse da luz.

CHGonçalVES

domingo, 17 de junho de 2012

A SALIVA DOS BATRÁQUIOS

eu, impedido de imersões
... ao insalubre bar dos ébrios
... ao lúgubre recinto das putas
... ao fúnebre leito dos suicidas
fecundo-me em convulsões

crio e recrio personagens depositários
: de dores não sofridas
: de amores não vividos
: de odores das feridas
que vão ao âmago tal qual supositórios

dramaturgo de mim mesmo
formulo diálogos, monólogos, solilóquios
fontes de poemas infames, ínfimos
- sou saliva dos batráquios!

fraturo o êxtase
lanço-me ao limbo
sapo que festeja a lama
alimento-me do limo

e se falecem os protagonistas
e se falassem meus analistas

diriam:
que me faço verso
que renasço verbo
na intimidade de meu reverso.

CHGonçalVES

sábado, 16 de junho de 2012


NÃO SER APÓS TER SIDO

... pelo espelho,


espio a iris menor
: o branco tomando o vazio
: o branco tingindo pelos
: o branco feito excremento

[eis o que restou do cio
rastros, derradeiro acasalamento]


... pelo olhos,


espelho o que sobrou dentro
a alma que morou no corpo
que jaz alimento de terra

[singra o tronco perpétuo oco
quando a vida encerra]


... parto certo de que
: o ser é breve
: o sentimento, brando
: o espírito, branco


CHGoçalVES


terça-feira, 5 de junho de 2012

RABISCOS

faço-te quadro
faço-me rubro gis
e em carícias
desenho no tempo
a derradeira nau
n'um entardecer gris.

CHGonçalVES
IRMÃS

habitam-me
duas damas vaidosas
meninas teimosas

degladiam-se
crias do mesmo ventre
se uma fala, a outra cala

dialética
orgulho e intriga...

- Política e Poética
acabem com essa briga!

CHGonçalVES

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O VELHO E O ANJO

... e o corpo pequenino
tinge a madeira branca 
caixa fúnebre de dormir
: é quando a vida estanca ...

... chorou: caíra sua asa
que acabara de brotar
não aprendera a sorrir
apenas sonhava voar ...

... quando morre o anjo
a antinatureza impera
só as lágrimas brincam
a terra sorri: o espera

... ao lado um ancião
a vida escrita em rugas
em calos em sua mão
em mil buscas e fugas ...

... acima, no plano invisível
o velho bebe o choro fel
o tempo daquela criança
agora, passarinho no céu ...

... um cumpriu sua missão
o outro, vaga-lume na escuridão ...

... e segue, frio, o anjo, nas sombras da procissão.

CHGonçalVES

domingo, 3 de junho de 2012

O S I L Ê N C I O DOS F U R A C Õ E S . . .

corrói-me a covardia sedutora que impede o falar
sabendo que há tanto represado em meu peito
e que'u não sucumbo às fragilidades do calar
...............................................................
dói essa boca deserta se meu ar é rarefeito
quisera em agonia rasgar minhas carnes 
jorrar na tez hipócrita o verbo perfeito
.....................................................
mas se, por dentro, sou tempestade
e enquanto essa língua flácida jaz
por dentro, eis-me mediocridade
.............................................
chão estéreo do crânio é jazigo
onde floresce o músculo mole
de meu cemitério, vos digo:
.......................................
sou a fiel imagem daquele 
que após verter o líquido
é nervo, curvas e pele
.............................
assim sou se calo
a rosa sem cor
sem perfume
sem o talo
.............
contudo
colibri
mudo
.......
.....
... (que não canta, mas voa, libre)
.

CHGonçalves