terça-feira, 26 de abril de 2011

Bom Apetite!

Ele pediu para que eu contasse como havia acontecido. Eu já havia contado. Ele queria que eu repetisse. Eu estava irritado. Ele, sempre que podia, me provocava. Ele não ligava para o que eu sentia. Sempre foi assim, desde que meus pais morreram. O que aconteceu comigo ontem marcou minha vida. Foi traumático... Mas ele se divertia; é sádico. Ele me ameaçou. Ele disse que, seu eu não contasse, iria contar para todo mundo. Ele adora me envergonhar.
- Conte novamente.
Antes mesmo que eu começasse a contar, abriu um sorriso largo carregado de malícia, mostrando seus dentes tingidos pelo fumo... Meu ódio queimava por dentro. Era como um ácido me corroendo.
- Não quero mais falar sobre esse assunto.
Ele, como de hábito, não deu a menor atenção e continuou me provocando.
-  Somente mais essa vez. Não peço mais, prometo.
Eu tentei convencê-lo de que aquilo causava-me sofrimento.
- Não gosto desse tipo de brincadeira. Não vou repetir mais uma vez.
Ele, em tom ameaçador, insistiu.
- Tudo bem. Então eu conto. Conto para todo mundo.
Eu, se pudesse, correria, fugiria e nunca mais retornaria a essa madita casa. Mas eu não tenho para onde ir. Eu sou órfão. Eu não tenho saída. Eu sou obrigado a suportar terríveis humilhações. Eu fico calado. Eu não posso reagir. Eu sou dependente de todos. Mas eu não sou burro. Todos pensam que me enganam. Eu sou paciente. Eu creio nas voltas que o mundo dá. Eu acredito que um dia minha hora vai chegar... Eu pensei em contar rapidamente, mas isso o iria o irritar. Ele faria eu repetir quantas vezes fossem necessárias para satisfazer seus desejos obsenos... Depois que a mulher dele faleceu, sua maior diversão era me humilhar... O acontecido lhe deu munição para continuar suas torturas... Pior seria ter meu maior segredo revelado por uma pessoa insana. Ele colocaria coisas. Ele a tornaria mais dramática do que já era... Era melhor fazer o que pedia.
- Não, por favor. Não conte nada a ninguém. Prometa. Está bem, eu conto para você. Só mais essa vez.
Ele riu. Eu nunca consegui interpretar seu riso. Seus olhos fechavam-se. Tinham uma escuridão enigmática. Eram sem brilho. Eu percebia que nestas situações sua boca enchia de saliva... Ele movimentava a cabeça feito um pêndulo. Era como se fosse um animal preste a devorar sua presa.
- Você não vai contar a ninguém, promete?
Eu já havia contado para ele havia duas horas. Eu ficava bastante constrangido... Ele continuava com aquele riso sádico. Suas pernas mexiam. Aquilo o fazia transpirar. Ele exalava um odor azedo... Ele, talvez, desejasse ter vivido aquela situação. Não até o final. Mas os momentos bons. Que, confesso, me deram prazer... Ele fez um sinal com a cabeça para que eu iniciasse.
- Quero desde o início.
Eu obedeci e comecei a contar.
- Eu a vi nascer. Desde criança, eu brincava com ela. Veio morar em casa quando ainda era pequena. Adorávamos brincar. Corriamos juntos pela casa. As vezes tomávamos banho juntos. Não havia mal nisso. Estávamos nos descobrindo. Eu bem maior que ela. O que não impedia que tivéssemos bons momentos. Tudo muito ingênuo. Erámos tão unidos que passamos a dormir na mesma cama. Dormíamos juntos. A mulher dele não gostava. Achava aquilo errado. Que cada qual deveria dormir no seu lugar.
Eu comecei, nesse momento, a lembrar da falecida. Minha boca ficou pesada e a língua estática... Eu perdi a fala... Eu fiquei calado. Era como se eu tivesse saído daquele ambiente e tivesse me perdido num tempo passado... Eu só cai na real quando o vi balançando a cabeça e abrindo os braços, como quem pergunta: por que parou?
- Não consigo mais contar.
- Tudo bem, não vou forçar. Sou generoso. Mas lembre-se que não consigo manter minha boca fechada. Se você não pode contar, eu posso. E vou fazer isso.
Eu continuava inerte. Era como se uma força contrária ao meu peso percorresse meu corpo e me paralizasse... Meus olhos encheram de lágrimas... Eu quis gritar, mas não consegui. As lágrimas escorriam. Ele não se comovia. Pelo contrário, aquilo o satisfazia.
- Tudo bem, eu me encarrego de contar sua história. Não se preocupe, filho.
Eu despertei, assustado, e tudo destravou. O medo é capaz de injetar nas nossas veias substâncias que nos fazem praticar coisas inacreditáveis. O Susto foi revigorante. Com um sentimento que não sei descrever - acho que sou movido pelo ódio - passei a contar com detalhes.
- Nos estávamos dormindo juntos. Eu sentia seu hálito quente. Seus olhos negros brilhavam na escuridão do quarto. O som da sua respiração ofegante rompia o silêncio da noite. Meu coração batia forte. Ela não se mexia. Pensei: “será que está dormindo?”. Coloquei meu membro para fora. Comecei a forçar no meio das pernas dela. Sua respiração ficou acelerada. Senti quando começou a entrar. Um calor tomou conta de mim. Ela era quente e estreita. Ela se mexeu e eu parei. Fiquei quieto. Pensei em parar. Mas minha tara era maior que minha razão. O tempo passava. Sua respiração ficou mais moderada. Comecei, então, a forçar a entrada novamente. Ela se mexeu. Fiquei quieto. Sem conseguir me conter, empurrei com força.
- Para que tanta violência?
Ele falou sarcasticamente. Ele olhava para mim. Aquilo me incomodava muito... Ele tinha uma aparência séria, mas havia uma curva no canto da boca. Um sorriso disfarçado.
- Foi sem querer... Ela saiu da cama e não voltou. Fiquei com medo. Angustiado. Pensei em ir atrás dela. Mas meu corpo estava congelado. Não conseguia me mover. Eu estava muito confuso. Não me lembro o exato momento que adormeci... Pela manhã, percebi que ela não estava em casa. “Droga. Estraguei tudo. Ela não vai mais me querer!”, pensei. 
- Ela já estava apaixonada por você.
Mais uma vez ele me interrompeu com sua irônia. Desta vez, riu mostrando sua língua esbranquiçada. Sua voz era irritante. Eu estava no meu limite... Eu passei então a não encará-lo. Assim não perderia a concentração e terminaria logo meu martírio.
- Foi então que vi algumas gotas de sangue no lençol. Levantei-me, tirei o lençol da cama e fui até o banheiro para retirar a mancha. “Será que eu a machuquei?”, questionei-me.
-  Garoto mau; tirou sangue dela.
Sem me dar conta, fiquei imaginando os momentos bons que vivemos juntos. Se eu não tivesse forçado, aquela seria uma linda noite de amor... Meus pensamentos foram quebrados pela voz rouca dele me indagando.
- Vai continuar a história ou não? Assim você acaba com o clima.
Ele olhava-me direto nos olhos, parecia que queria entrar em mim, saber tudo o que eu tinha na mente, conhecer minha vida e a história detalhadamente. Aquilo me amedrontava, ao mesmo tempo que me tornava submisso... Eu não tinha saída. Só me restava continuar...  Ele tirou um cigarro da carteira e acendeu. Ele não tirava os olhos de mim. Com um gesto da cabeça, pediu para que eu prosseguisse. Ele fumava e jogava fumaça para cima de mim. Ele fazia tudo para me provocar. Mas eu sou forte. Continuei.
- No quarto dia, ela voltou a dormir na minha cama. Tive um susto, pois já estava quase dormindo, quando senti alguém deitando ao meu lado. Eu fiquei quieto, fingi que dormia. Mas não conseguia conter minha respiração. Ela se aconhegou em meu corpo. Acho que sentiu meu calor. Tentei conter minha respiração. Mas era impossível – insuportável. Meu corpo queimava feito brasa. Abri, levemente, meus olhos e pude perceber que seus olhos estavam abertos também. Não me contive e meu pênis, duro, começou a pulsar. Ajeitei com cuidado. E entrei em sua flor.
Ele, de repente, deu uma gargalhada. O som era enlouquecedor. Ria tanto que perdia o fôlego. Mistura de risos e tossidas. Babava, era nojento. Meu ódio mesclou-se com naúseas. Perdi a paciência e falei com raiva.
- Quer que eu continue ou não?
Um silêncio tomou conta da cozinha. Ele calou-se. Ficou surpreso com minha reação. Percebi que, pela primeira vez, ele sentiu medo de mim. Aquilo me fez bem. Eu percebi que ele não era tão forte quanto demonstrava. Aquele velho idiota era um covarde. Continuei.
 - Fui colocando lentamente. Não disse uma palavra sequer. Nos amamos a noite inteira... Quando acordei ela já havia saído. Vi que na cama, desta vez, não havia manchas... Senti o cheiro do seu sexo no lençol.
- E depois?
- Repetimos por vários dias nossas noites de amor. Eram relações tão intensas que meu desejo aumentava a cada dia. Eu queria sempre mais. Tudo ia bem, até a noite de ontem.
- Agora vai ficar bom.
- Ontem, eu quis fazer diferente. A desejei por trás. Sempre fui muito carinhoso. Mas, algo estranho – animal - estava acontecendo. Eu estava muito ansioso, excitado e inquieto. Empurrei com força em sua traseira e ela deu um latido alto, pulou da cama, arrastou-se pelo chão e saiu do quarto. Fui atrás dela. Chamava por ela, nervoso. Ela esfregava o rabo no chão e gemia. Acho que doeu. Por sorte estávamos sós em casa. Fui até o banheiro e joguei água sobre ela. A água aliviou sua dor. Ela me olhava desconfiada. Senti pena dela. Eu ainda estava nú, quando ela, aproveitado que eu estava de joelhos enxugando seu pelos, passou a lamber meu pênis. “Danadinha!”, pensei. Meu membro foi crescendo e ela lambia mas rápido.
- Interessante, gosto dessa parte.
- Foi então que senti uma dor terrível. A desgraçada havia mordido meu pau. Ela apertava forte. Eu não podia gritar. Iria chamar a atenção dos vizinhos.  Num gesto impensado, eu apertei com força seu pescoço e torci. Ela deu um uivo alto. Largou meu pênis e se contorceu no chão. Sua respiração foi ficando lenta, até parar. Ainda vi suas pernas esticarem por duas vezes consecultivas, até ficarem inertes... Estava morta. Eu a havia matado... Chorei compulsivamente... Limpei meu membro e o corpo dela. Depois, enrolei ela em uma toalha. Meu pênis ardia. Tinha sangue. Muito sangue. Eu precisava dar um fim ao cadáver dela... Resolvi enterrar no Jardim.
- Você a enterrou no jardim ou no quintal?
- No quintal.  Fiquei com medo que brigasse comigo.
- Brigar com você? A cadela era sua. E depois?
- Depois de enterrrá-la, fui ao posto e fiz curativo... Lá, todos riam de mim... Disse que havia cortado com o barbeador.  Não acreditaram. Fiquei com raiva... Riam disfarçadamente. Riam covardemente. Riam criminosamente. Riam de mim... Eu queria matá-los.
- Calma, não precisa ficar nervoso. Acabou. Prometo não tocar mais nesse assunto.
Ele continuava olhando para mim. Ele sempre me tratou como um cachorro. A única coisa que me deu de bom foi a cadelinha. E eu a havia matado. Eu me controlava. Sabia que minha vitória estava próxima.
- Acho melhor você almoçar.
O almoço estava pronto. Passei a manhã inteira conzinhando. Até que ele veio até a cozinha para me perturbar. Eu já havia contado, cedo, a mesma história. O cheiro da vigança acalmou-me. Eu preparei um prato e coloquei na mesa. Ele veio lentamente com sua cadeira de rodas. Posicionou-se na mesa. Observou o prato com a comida e, como de costume, cheirou.
- Que carne é esta?
- Não sei. Você deveria saber. Foi você quem comprou. Apenas tirei da geladeira e preparei.
Ele pegou o garfo e a faca. Cortou, cuidadosamente, a carne em pedaços miúdos. Misturou bem o feijão ao arroz e a farinha. Encheu a colher, levou a boca e começou a mastigar... Comia como um porco. Seus dentes rangiam e faziam um barulho inquietante ao triturar a comida... Um fio de baba, vez ou outra, ligava seus lábios. Aquela cena era nojenta. Mas eu me deliciava com ela... Um riso vitorioso brincava em meus lábios.
- Gostou? Fiz especialmente para você.
- Muito bom. Deliciosa.
O barulho da sua boca estrondava em meus ouvidos. Seus dentes despedaçando a carne, arroz e feijão. Mas não me incomodava mais... Sua boca cheia e aquele alimento preenchendo seu bucho eram meu trunfo... Afastei-me... Da janela, acompanhei ele comendo toda a comida... Ele lambia os lábios... Quem diria! Justamente ele que divertiu-se tanto ao saber que eu havia comido uma cadela, agora, feliz da vida, se deliciava comendo da mesma carne que comi. Vigança é um prato que se come frio.
- Bom apetite, velho imundo!

C.H.Gonçalves

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