quarta-feira, 30 de novembro de 2011

DE TEMPLOS E PICADEIROS

- Ergue tua cabeça...
não disfarça!

padres mentem
palhaços choram

... a vida é uma bela farsa.

CHGonçalVES

ENTRE SAPOS E URUBUS, FESTA DA CHUVA

a tarde é chumbo
o céu prenhe de chuva
os pretos a voar
tingindo seus azuis
ah, os'urubus...

- Corre viúva...
... o sol conspira
... o céu vai espocar!
(foi o sapo a gritar)

Tem festa na beira do rio-mar.

CHGonçalVES

A LADEIRA

silenciosa, desce
vai até o fim do sonho... e desaparece


longe,
o choro das putas da noite
mulheres da via 
sem entrada, nem saída
palco da carícia, do açoite


é a vida :


... que sobe
... que sonha
... que sofre


existências a míngua
há uma lágrima do avesso
na umidade do calado verso 
no verso da página da língua...


... lá vai o sonho... e desaparece.


CHGonçalVES

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

DE PEITO ABERTO

em meu peito
o coração teima em bater
soca forte, por dentro
- por favor, ponha-o para fora
rápido, sem demora
e matem esse sofrer...

não suporto as batidas
prometo: dele será meu viver
minha rosa vermelha
- por favor, ponha-o para fora
rápido, antes da aurora
sufoquem esse doer...

livre, ele haverá de pulsar
para quem desejar ver
nu, a olhos nus
- por favor, ponha-o para fora
rápido, agora
cessem esse morrer...

em troca...
: verão meu jeito de amar

... e se um dia ele vier a sangrar
... e se um dia ela vier a calar
... e se um dia ele vier a parar

estancarei todo sangue...
: com o sal de meus olhos

romperei todo silêncio...
: com o gemido de tua boca

violarei toda estática
: com a contração do orgasmo

ainda assim,
... se um dia ele vier a morrer
e minha alma de mim correr...

... deitado
em meu último leito
trarei no peito
nas mãos frias
nas que te acalentou
por noites e dias
não um terço
mas a rosa vermelha que te tocou

: meu pálido coração que, livre, amou.

CHGonçalVES

sábado, 26 de novembro de 2011

FÉRTIL

eis-me
no período fértil
uma cadela no cio
para engravidar-me
basta um verbo viril

CHGonçalVES

ESPERANDO VISITA

- O que estais fazendo? ...
Não chames pelos poemas; ele não virão.

não gostam de importunação
todo chamado será em vão
mantenha abertas as portas do teu ser
Ele enviará sua emissária: a Inspiração
para tua alma, contará histórias
segredos, dores, amores, decepção...

diga a sua alma que a escute
depois, ensine-a a escrever
Ela aprenderá a lição.

...

Foi assim que fiz a Inspiração madrinha de meu querer.

...

- Eu estava te esperando... Pode entrar, comadre!

CHGonçalVES

TECIDO HUMANO

se nada tenho a perder
se nada temo ao ceder
se nada tomo ao querer

- Por que me acovardo e não vou além

: da dor do frio
: da trama do fio
: da margem do rio... ?

se nada tenho, temo, tomo...

- Por que abdicar do sonho ainda por tecer?

eis a linha...

a pena feito agulha
a mente em fagulha
- sem desistência –
bordo o livro de minha breve
porém, intensa existência...

CHGonçalVES

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

PÉS CALADOS OU DENTES AFIADOS

Descalço
meus pés nus, rachados 
e suas unhas encardidas...
são inofensivos, calados:


- Não vês?


Escondo-os nas sombras 
na penumbra de minha insignificância 
sei, teus finos vestidos são armários
escondem os rastros de tua ganância


Aprisiono meu riso, agora sou vulto
um tênue desenho, tímido 
assombrado pelo brilho das pratas
pelo grito do cio das gatas


... sou uma lesma, um ser defectível, uma existência acoada...


- Não me olhe nos olhos!... Droga, minha causa está molhada.


Cuidado
não pise em meus pés 
não os faça doer
se não sei quem és
não queiras saber
que aprendi a morder.


CHGonçalVES

PÃO

... mentem
os que dizem
que poesia não se come

... é verdade
poesia não enche barriga
versos enchem sonhos
poemas alimentam alma

- Poema nosso de cada dia, nos dai hoje!

CHGonçalVES

PRATA

a fase de minha lua
nega o sol
não cabem eclipses
só a noite prateada
minha amada

CHGonçalVES

CÁLICE DE PLASMA

::: lá fora
o céu é veste rubro sangue
acima d'onde a serpente se esconde 
rasteira por entre folhas da noturna loucura
nas sombras, as trevas conspiram para minha cura...


::: aqui dentro
- de mim - o monstro sobrevive, contido, adormecido... e se move


- Silêncio! si-lên-cio... deixe-o dormir... não é hora da ceia.


...


::: longe (... muito longe) 
a virgem urra ao ter sua carne molhada violada
agitam-se dentro da minha esquálida carcaça 
:hemácias, hemoglobinas, vírus...
agora é presa e caça 


::: no crânio (... oco/louco) 
um fio de música dá-me asas para elevar-me... levar-me
contudo, cego, surdo e louco (não mudo)
sacudo:


- Deixe-me quieto! A virgem já gozara e o silêncio da madrugada basta-me para acorrentar os nervos, afugentar o delicioso desejo de matar, de amar.


CHGonçalVES

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

IMENSIDÃO

... na vitrola, Pink Floyd
o som corta o azul anil
e a noite parece gemer...

... quem afugentou os gatos?

CHGonçalVES

SÓ, A ESPERA DO SOL

o quarto crescera.

encolhido, tremo
dependente de tua pele
escravo de teu calor...

teu batom
na borda da taça
[abrigo do cúmplice vinho]
é testemunha do último pecado...

no espelho
nenhum recado.

Ah, noite por que tardas a morrer?

- Adeus, baby!

CHGonçalVE

(in)SANO

...
quê vontade insana
de abrir a boca da vida
e, de cabeça, lançar-me...

Mergulhar
no vazio silêncio da noite
ir ao âmago do temporal
ir ao útero da chuva
embriagado do perfume da vulva...

... sorver todo susurro dos amantes adúlteros.

...
quê desejo louco
de voltar a sonhar
de me derramar nesse céu mar...

Imergir
na garganta do mundo
em busca da aurora final
em busca da puta parida
enfurecido pela dor da ferida...

... engolir o gemido amordaçado da última virgem.

CHGonçalVES

domingo, 20 de novembro de 2011

A ESPERA DA OUTRA ESTAÇÃO

Foi o suspirar de um sentimento que me bateu a porta...

Rápido, apertei os lábios, tranquei os dentes...
Aprisionei-o, para sempre, na boca, repouso em minha língua morna.

A covardia guarda meu templo, torna-o sagrado
Meu tempo, agora, passa em linhas turvas, nebulosas...

Sofro ao ver teu sorriso perdendo-se no infinito, entre curvas...
Falta-me coragem para te estender a mão
e, simplesmente, dizer-te: - adeus!

Contento-me com a passagem da fria paisagem pela janela
longe, um passarinho, no galho coberto de orvalho, alimenta sua cria...

Desejo apenas que estejas em alguma estação perdida do tempo
a espera de um sorriso que liberte tua alma e acalme o meu ser
e que preserve vivo, na minha lembrança, o teu sorriso
também, seque a água abundante dos meus olhos...

Teu último beijo há de me alimentar.

CHGonçalVES

FAGULHA

Todo esse fogo que arde
e recria, e replica a dúvida
de nada me vale...
sou um breve suspiro
um frêmito sofrido
breve fagulha de vida
ente errante em busca de chão
do Éden, d'onde o sonho ainda brilhe
e a tardejamais escureça...

Se assim não for
E qu'eu não seja fogo...

Ah, Deus, permita-me
qu'eu, ao menos, aqueça.

CHGonçalVES

ETERNAMENTE INACABADO

Não.
Não estou pronto
...
sei, posso morrer no ventre
um feto verbo
lápide uterina
página sem linha.


Não.
Não estou pronto
...
sou menino perdido
nem mesmo sei
d’onde a loucura ferve
d’onde se abriga o verme.


Não.
Não estou pronto
...
sou o frio do mármore
a fragrância dos cravos 
dos que ornam a sepultura
do qu'eu quisera literatura.


Não.
Definitivamente, não estou pronto
...
estou fadado a ser sempre a derradeira linha em branco d'um parágrafo sem ponto


CHGonçalVES

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

IRIS

olhos imóveis
presos ao eixo
num gira-corpo
roda ser tosco...

sua alma fugira
e nem percebera...

Por Rosa Lins

DESTEMIDO

... não mais temo a palavra.


por vezes
por entre silêncios


oculto-me...


demoro
calo, engulo
e, num pulo
devoro


é meu culto...


sou fera
animal a espreita
sou faca
a sangrar a escrita.


Por Alírio Flores Campos

terça-feira, 15 de novembro de 2011

LEITO VAZIO

sou leito
solo seco, rachado
vala onde me deito
calado


uma poça de lama
uma carcaça de gente
uma letra que geme
uma alma na cama


sou um corpo oco
sombra de antes
água e imensidão
agora, frio vazio:
solidão...


ah, imensurável tempo
em que acreditava-me rio.




de Alírio Flores Campos 

sábado, 5 de novembro de 2011

SUPERFICIALIDADES

Eu
sou 
ice-berg
vês a ponta
face de gelo
ao sol entregue...
........................... 
és incapaz, por orgulho
de ir fundo em meu mundo
de introjetar-se num mergulho... 
................................ por vaidade .
careces de ar, daquele presente no am(ar)
para contemplar a exuberância e mistérios que povoam minha profundidade.


CHGonçalVES

O LIVRO PERDIDO

repouso
na ferrugem da estante
orgulhoso
o velho livro carcomido
teimoso
insiste em dizer:
"DOMINANDO A INTERNET"

... perdeu-se no tempo ...

- Velho, caduco!

CHGonçalVES

MEU JARDIM DO PEITO


MEU JARDIM DO PEITO


não me peça isso
não atenderei tuas súplicas
não assassinarei meus sentimentos
a terra, a do meu peito, é para jardins
engano pensar ser matéria prima do coveiro...




no meu solo semeio amores, cultivo versos e colho flores.




- Ei, veja só, são colibris!




CHGonçalVES

PARA ALGUÉM QUE ESTÁ POR VIR

passei a vida
com saudade de ti...
... e ainda nem te vi.

[não te conheci
mas meus sonhos são teu lar
:eles, nossa casa de amar]

há tempos não sonho
não sei se morri...
... e ainda nem te vi.

por isso
a vida é saudade de ti.

CHGonçalVES

NA VELHA BIBLIOTECA, SONHEI...

Ali, jazem
... lado a lado
presos, trancafiados 
no aço estrutura
ferro armado
prisão vil 
livros sepultura...


Ali, padecem
... a um passo da liberdade
clamando por ti, calados
nesse túmulos de palavras
húmus de letras
verbos alados...


Ali, esperam
a amada mão
que abra suas páginasjanelas
paraísos e quimeras
templos de emoção...


::: então verás:

Ali,
em bandos, em revoada
ex-detentos 
poeta sonhadores
da biblioteca abandonada
suas dores, 
seu amores...


Ali sonharás.


CHGonçalVES

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

DANDO BANDEIRA

ele quisera ser arquiteto
não foi.
......foi poeta.


eu quisera ser poeta
não fui.
......fui arquiteto.


Ah, Manuel, que bandeira...
onde perdemos nossos quereres?


até parece brincadeira.


CHGonçalVES

DO TEMPO DAS CURVAS

tantas rugas.

ao envelhecerem
homens parecem virar...

tartarugas.

CHGonçalVES

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

FRAGMENTO-ME 11

Inspiração:
encher o peito de sentimentos.

Expiração:
encher a página de versos.

CHGonçalVES

SECA

... o sOl: 
fissuras nas têmporas

em minha cabeça:
um deserto
em meu peito:
[do rio]...

... sobrou o leito.

seco, sem vida
[rachado verbo concreto]

' ' ' sonho com uma tempestade de palavras
ver meus versos alagados de beleza...

Por ora, sol e só...

nos olhos, água e leveza.

CHGonçalVES

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

FINADOS

trêmulo,
::: frente
ao túmulo
orei, chorei...


ali um esqueleto, solitário
carbono senhor do sombrio leito...




pó, apenas
mas alma viva em meu peito.


CHGonçalVES