quinta-feira, 30 de junho de 2011

PEÇA: ULTIMA SÉPIA (FRAGMENTO)

ARIEL


(FALANDO DA JANELA E DE COSTAS PARA O FILHO) Não sabes nada da vida. Tudo envelhece, meu filho, menos nossa cabeça. Diariamente, nos olhamos no espelho, e lá estamos com aquele mesmo sorriso de 30 anos atrás. As rugas parecem esconder-se de nossos olhares narcisistas. Não percebemos que envelhecemos. (OLHANDO PELA JANELA) por trás dessa escuridão existe um sol, tranqüilo, quieto. Parece estar morto, mas não está. Daqui a pouco ele vai se reerguer, renascer, surgir para dourar a nossa pele, iluminar nossa existência; vai subir bem aqui à nossa frente. Será o mesmo sol que há pouco se escondeu. Terá o mesmo brilho, a mesma intensidade, o mesmo calor. Mas já não seremos os mesmos; estaremos mais fracos. Apenas nossos desejos e fantasias permanecerão intactos, vivos e latentes, com seus impulsos que nos conduzem ao pecado... Nutridos pelas fragilidades da carne, nos fazem cometer crimes. Vivemos num constante conflito, uma guerra interior travada entre razão e emoção. (PAUSA. SENTA-SE NA CADEIRA AO LADO DE APELES) Nunca abandonamos a vontade de viver novamente o que passou, Apeles. Sabe aquela garota que sonhamos e que recordamos em nossas masturbações? Estas nunca saem da nossa cabeça. Ressurgem a cada momento. São como um elixir da juventude. Já prestaste atenção como elas também nos desejam e se insinuam cheias de malícia? Há homens – poucos – que conseguem controlar suas taras e se mantêm imunes às tentações. Outros sucumbem, em pensamentos ou atos. (RINDO) Achas que sou assim? Se assim sou, você também é; porque não és melhor e nem pior do que eu, és igual a mim. És sangue do meu sangue.


APELES
(CONFUSO E DEMONSTRANDO NERVOSISMO) Não sou igual a você.


ARIEL
(LEVANTANDO-SE E POSICIONANDO-SE ATRÁS DE APELES) Claro que és. (MOSTRANDO OS LÁBIOS SANGRANDO) Este sangue é o mesmo que corre nas tuas veias; é o que te mantém vivo. (LEVANTANDO A CABEÇA DE APELES) Olhe pra mim, filho (APELES BEIJA A BOCA DO FILHO, QUE COSPE EM SEU ROSTO).


C.H.Gonçalves

segunda-feira, 27 de junho de 2011

TRABALHADOR

Um burocrata, obeso, em seu luxuoso carro.
- Odeio essas pessoas fedorentas e suadas que passam o dia inteiro batendo no vidro dos carros para vender suas porcarias.
O capitalista - imbecil - chega ao seu amplo escritório, passa o dia inteiro dando ordens (mandando que trabalhem por ele)  e brincando no computador. Orgulha-se de ser um trabalhador.


C.H.Gonçalves

Cego...

... esse meu ego
ora o nego
ora o prego...

C.H.Gonçalves 

domingo, 26 de junho de 2011

CROMOLOGIA

É vermelha
... a tinta
do verbo
no verso
da derme
da página...

É branca
... a pena
que corta
que sangra
com força
sem pena
a palavra...

É preta
... A mancha
de vida
devida
de lida
sofrida
trauma...

É transparente a alma.

C.H.Gonçalves

VAZIO

Em mim,
há um vazio
e os pensamentos
no crânio, ecoam...
                      
                           gritam, agridem-se...
                           [pela janela dos olhos]
                           pulam,
                           desintegram-se, secos, no ar.

minh'alma grudada à pele
minha caveira levitada
minha carne sangrada

entrego-me!

Venceste
vontade insana
de mergulhar na terra...

- resta o lamento entorpecido de dor!
.... do mundo,
                               [agora]
sou um buraco - ânus -
imundo.

... da vida,
[agora]
sou ferida; – a língua -
Pústulas.

C.H.Gonçalves

COÁGULO

 ... E estes
fios tênues
por onde transitam [vagam]
ínfimos feixes de luz...

... Minhas micro-almas parasitárias
em  meu macro-cosmo cerebral...
[lar de meus astroneurônios]

... Um instante,
um deslize,
uma catástrofe... [biológica?]

... E passarei [a partir de então]
a duvidar de minha existência,
na escuridão.............
Na mais exuberante escuridão.

C.H.Gonçalves

sábado, 25 de junho de 2011

A FLOR DA PELE

Tua pele
tela
homem velho
do mar
da vela...


Tua carne 
dourada
senhor da praia
de tanto sol
queimada... 


tez
tatuagem
miragem - da flor amada -
silenciosa imagem
ferrugem...


... ainda não desbotada
... ainda não apagada
... ainda não enrugada...


apesar de fugida a alma...


Dentro:
- a mulher - 


ainda vive...
ainda pulsa...
ainda ama...


Fora
- do homem -


... sempre sufoca
... sempre agoniza
... sempre desfalece.


Sorriso - impresso-
vaga lembrança
dos tempos idos
fecunda, outrora
moribunda, agora


Sentimento 
presente 
na tinta
da ponta
da agulha 
somente


o aço
ontem
feriu a derme
pôs nela cor
o riso de Flor
ainda dourado
tingido de amor.




C.H.Gonçalves

EM SEGUIDA

Um ponto de resistência.
Um, apenas, sou...

[reticências]

A linha é breve
A vida é branca
A tinta é sangue

[reminiscências]

Vou
pousando...
pesando...
pisando.

Busco o outro lado do ser
a outra face da cara
a côncava.

[intermitências]

Juntos
eu, ponto
tu, vírgula...

Efêmero equilíbrio...

de pesos
de passos
de pulsos

[reentrâncias]

Nos
Ponto & Vígula
nesse instante
dessa espera...

... Um sonho. [essência]

E a vida emerge de um livro
esquecido e carcomido...

Pulsante...

Tu, de meus três pontos,
gestante.

C.H.Gonçalves

sexta-feira, 24 de junho de 2011

quinta-feira, 23 de junho de 2011

BINÁRIOS

Confesso.
O facebook é minha cama.
Nele penetro o canal
da fêmea página-gama...


Umedeço a língua
- uma lambida na linguagem -
Nos dedos à míngua...

Na tela, entreluz...
meu espematozóide-emoção
fecunda o óvulo-digital
e, ao verbo, dá luz .

Códigos binários
Cálculo decimal
Sim, aqui é meu berçário
maternidade gramatical.

C.H.Gonçalves

ORIGEM

Os Poemas?
Não, não são meus.
Se são essência e criação,
não, seus não são...
São as escritas de Deus.

C.H.Gonçalves

quarta-feira, 22 de junho de 2011

(ré)FORMA

- Fora forma!

Deixe-me
Não me sufoque

A beleza de meus sentimentos
[a quero livre]
A leveza de meus sonhos
[a quero breve]

Não me submeta
às tuas masmorras de arrogância
às tuas catacumbas de vaidades

Dos carrascos letrados
Nada espero
Nada opero
Nada quero

- Forma, saia!

Nasci da argila
pisada
amassada
moldada
com a pele
dos pés
não com o calo
das mãos

Não me venhas com
esfarrapadas
estéticas
éticas
esqueléticas
formas

Forma
Tu não me deformas

- Te conformas.

C.H.Gonçalves

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O SONO DE PEDRO

Meu Pedrinho deitado em meu colo... Seus olhos contemplam minha face. Ele, pequenino, aguarda a chegada do sono.
- Por que gostas de dormir no meu colo, Pedro?
- Porque com meu ouvido colado ao teu peito, papai, ouço a cantiga que teu coração toca para eu ninar.
Mais nada a dizer... Somente, contemplar seu olhinhos fechando para um lindo sonho começar. Um sonho menino... Silêncio, ele dormiu.

C.H.Gonçalves

JORNADA

Quando crianças, 
a vida é uma brincadeira na montanha... Vamos: correndo, subindo, sorrindo, olhando para o mundo, sempre...
Quando jovens,
a vida é um passeio no planalto... Vamos: ora correndo, ora parando, ora deitando, sonhando, olhando para o céu, sempre...
Quando adultos,
a vida é uma jornada na planície... Vamos: andando,  cuidando, contando,  olhando em volta, todo mundo, sempre...
Quando maduros,
a vida é uma ladeira... Vamos andando, lentos, se segurando, se apoiando, olhando para baixo, sempre...
Quando velhos,
a vida é um alagado... Vamos: rastejando, atolando, no chão, afundando, orando para o alto... Para sempre.


C.H.Gonçalves

sexta-feira, 17 de junho de 2011

POEMA ERETO

Concreto é um poema - reto
Muito duro    .     Feito muro

Meu verbo ereto  é  concreto
Um muro        ;        no duro.

C.H.Gonçalves

quinta-feira, 16 de junho de 2011

GÊNESE


O mundo: o meu membro
A vida: a tua vulva
A emoção:  o meu esperma
A razão: o teu óvulo
O Smartphone: o útero
O facebook: o berçário
O Poema: nosso filho


- A criação digital...
Eis o mistério do verbo!


C.H.Gonçalves

PAPEL

Dê-me, agora - já -
meu personagem.
Eu quero vesti-lo
-experimentá-lo-
criá-lo à minha
insignificante
e vil imagem.
Pelos olhos
adentrar
depois
sentir
o doce
o amargo
dessa alma
que faz-se lida
que acalma a ferida
e que agora se hospeda
neste meu promíscuo corpo
da minha excitante sobre-vida...


C.H.Gonçalves 

CARETA

Um maconheiro: Meu, tenho uma notícia boa e outra ruim para te dar... Qual queres ouvir primeiro?
Outro maconheiro: A boa... Eu curto mesmo é a boa, sacou?
Primeiro maconheiro: O supremo liberou as marchas da maconha.
Segundo maconheiro: Pô, massa. E a ruim?
Primeiro maconheiro: Vamos ter que marchar careta, manjou?
Segundo maconheiro: Pô, sujou.


C.H.Gonçalves

domingo, 12 de junho de 2011

NINHO

Quando te restar o chão,
nele, põe teu peso. – Salta!
Cate as estrelas na escuridão.


... no espinho, a derrota reside...
[é meio do caminho]

... Mas [- lembra-te!], na rosa, resta-te, ainda, o perfume...
[faz nela teu ninho]

C.H.Gonçalves

quarta-feira, 8 de junho de 2011

FERA

De tocaia,
pela pele [plástica]
lisa
transparente
minh'alma [elástica]
espreita-te...

... Suga teu ar
inala teu cio
que vaza líquidos
[da fêmea molhada]
que me invade inteiro
faz, da sede, um rio...

Dos poros [arregaçados]
latentes
vicejantes [extasiados]
a alma
se espalha
agarra, envolve, amarra
o ser da tara...

e clama...
e come...
e ama.

depois... [ofegante]
repousa
em tua cama.

C.H.Gonçalves

terça-feira, 7 de junho de 2011

CARREGADO

Moram nesse corpo
[que é meu e da terra será}
muitas almas: gordas, magras, tristes, felizes...
tantas armas: de flores, dores, rancores, amores... [carregadas]

Eu carrego...

o que me rega...
o que faz...
o que me jaz.

C.H.Gonçalves